segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ordenação Feminina – Respondendo às Objeções



 Por Hermes C. Fernandes

Devo confessar: não podia supor que meu artigo sobre ordenação feminina provocaria tantas reações. Só no facebook foram mais de cem comentários. Preferi não respondê-los através de comentários, mas através de um segundo artigo.
Há várias passagens usadas como objeção à ordenação feminina. Examinemos duas delas:
1 – Paulo dá instrução apenas à bispos e diáconos homens
A passagem mais usada para esta objeção é a de 1 Timóteo 3:1-13.  Paulo diz que quem quer que aspire ao episcopado “excelente obra deseja.” Em seguinda, ele apresenta alguns requisitos básicos para quem pretenda exercer tal ministério. Entre eles, o bispo deveria ser “irrepreensível, marido de uma só mulher, temperante, sóbrio, ordeiro, hospitaleiro, apto para


ensinar; não dado ao vinho, não espancador, mas moderado, inimigo de contendas, não ganancioso; que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com todo o respeito {pois, se alguém não sabe governar a sua própria casa, como cuidará da igreja de Deus?}; não neófito, para que não se ensoberbeça e venha a cair na condenação do Diabo. Também é necessário que tenha bom testemunho dos que estão de fora, para que não caia em opróbrio, e no laço do Diabo.” Critérios semelhantes são adotados na escolha dos diáconos, que deveriam ser “sérios, não de língua dobre, não dados a muito vinho, não cobiçosos de torpe ganância, guardando o mistério da fé numa consciência pura. E também estes sejam primeiro provados, depois exercitem o diaconato, se forem irrepreensíveis.” Se a recomendação paulina terminasse aqui, poderíamos supor que tais ofícios só poderiam ser exercidos por homens. Entretanto, Paulo prossegue: “Da mesma sorte as mulheres sejam sérias, não maldizentes, temperantes, e fiéis em tudo.” Preste atenção nisso: Paulo não mudou o foco. O assunto continua sendo o exercício do ministério, seja como bispo (ou pastor, se preferir), ou como diácono. A expressão “da mesma sorte” indica continuidade de raciocínio. Após este verso, Paulo prossegue falando do ofício diaconal, e termina seu raciocínio afirmando que seu objetivo era que Timóteo soubesse como proceder na Casa de Deus.
Todos sabemos que Paulo jamais trabalhou sozinho. Ele sempre reconheceu a ajuda recebida de seus “cooperadores no Evangelho”. Homens do quilate de Tito e Timóteo, ambos pastores, receberam esta alcunha. Repare nas passagens abaixo:
“E enviamos Timóteo, nosso irmão, e ministro de Deus, e nosso cooperador no evangelho de Cristo, para vos confortar e vos exortar acerca da vossa fé”. 1 Tessalonicenses 3:2
“Quanto a Tito, é meu companheiro, e cooperador para convosco; quanto a nossos irmãos, são embaixadores das igrejas e glória de Cristo.” 2 Coríntios 8:23
O mesmo adjetivo usado para esses dois pastores, fora usado também para designar mulheres que cooperavam com Paulo na propagação do Evangelho:
“E peço-te também a ti, meu verdadeiro companheiro, que ajudes essas mulheres que trabalharam comigo no evangelho, e com Clemente, e com os outros cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida.” Filipenses 4:3
Que tipo de cooperação essas mulheres davam? Apenas recursos materiais? Assistência aos cultos? Distribuição de folhetos? Regência de corais? Secretaria? Creio que não. No dizer do apóstolo, elas trabalhavam com ele no evangelho.

2 – A ordem bíblica é que as mulheres se mantenham caladas na igreja
"Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com pudor e modéstia, não com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou vestidos preciosos, mas (como convém a mulheres que fazem profissão de servir a Deus) com boas obras. A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação.” 1 Timóteo 2:9-15
O verbo hesuchazo, traduzido aqui como “estar em silêncio” (também traduzido como ‘descansar’) é usado cinco vezes no Novo Testamento, e expressa três idéias básicas: a primeira é guardar silêncio para evitar uma confrontação direta (Lucas 14:4); a segunda, guardar silêncio para pôr fim ou manter sob controle uma discussão (Atos 11:18; 21:14); a terceira tem o sentido de permanecer inativo, isto é, em descanso. Esse é o significado da palavra em Lucas 23:56, em que as mulheres “descansaram [ficaram em silêncio] no sábado em obediência ao mandamento”. Paulo usa esta palavra num sentido mais ético, como uma virtude cristã, algo que todos os crentes deveriam cultivar. Em I Tessalonicenses 4:10b-12, por exemplo, lemos:
“Exortamo-vos, porém, irmãos, a que ainda nisto abundeis cada vez mais, e procureis viver quietos, tratar dos vossos próprios negócios, e trabalhar com vossas próprias mãos, como já vo-lo mandamos, a fim de que andeis dignamente para com os que estão de fora, e não tenhais necessidade de coisa alguma.”
A vida cristã, portanto, deveria ser tranqüila/silenciosa, isto é, livre de controvérsias inúteis. Na maioria das vezes, o verbo é utilizado em situações nas quais existem tensões e/ou controvérsias. Portanto, ele aponta para um tipo específico de silêncio, e não necessariamente a ausência de palavras. Um exemplo disso é o episódio em que a igreja de Jerusalém ouve a explanação de Pedro sobre a polêmica introdução do evangelho aos gentios. Repare o que diz o texto:
“Ouvindo eles estas coisas, apaziguaram-se (hesuchazo/silenciaram-se) e glorificaram a Deus, dizendo: Assim, pois, Deus concedeu também aos gentios o arrependimento para a vida.”
Atos 11:18
Como eles puderam glorificar a Deus estando calados? O estar em silêncio aqui significa tranquilizar-se acerca de um assunto. Cessou-se a polêmica, e como resultado, todos começaram a glorificar a Deus.
A forma substantiva hesuchios, que aparece duas vezes no NT, é usado basicamente da mesma forma. Indicando, em primeiro lugar, o silêncio que põe fim a uma discussão (Atos 22:2). Em segundo, evitando declarações controversas e ofensivas (1 Timóteo 2:11-12). Por fim, ele designando a calma da vida cristã que evita dividir a comunidade dos fiéis.
Nesse mesmo sentido encontramos o adjetivo hēsychios, traduzido como “tranqüilo, quieto”. Pedro faz uso dele ao recomendar que as mulheres se adornassem com um “espírito dócil e tranqüilo” (1 Pedro 3:4). Já Paulo recomenda que este tipo de docilidade e calma seja característica de todos os crentes (1 Tm. 2:2) Todos, independentes de gênero, devem buscar “uma vida tranqüila e sossegada, em toda a piedade e honestidade”. Tendo isso em mente, concluímos que em 1 Timóteo 2:11-12,  Paulo demonstra estar preocupado em poupar a igreja de controvérsias desnecessárias. No verso 8, Paulo exorta os homens a orarem “sem ira nem contenda”. Concernente às mulheres, sua preocupação era com as reações e atitudes que provocassem divisões. A fimde evitá-las, ele as admoesta a “aprender em silêncio, com toda a sujeição”, algo que era esperado de um discípulo, independente de ser homem ou mulher. O que Paulo proibe é a fala de uma estudante que possa interromper ou atrapalhar o processo do aprendizado, garantindo assim o direito dos outros de ouvir e aprender. Algo semelhante ao que um professor faz em nossos dias, exigindo disciplina de sua classe. Portanto, a frase “esteja em silêncio”  não significa que elas devessem permanecer mudas, e sim que declarações controvérsias seriam inaceitáveis. E por que Paulo referiu-se especificamente às mulheres? Possivelmente porque algumas delas já haviam se tornado o alvo de falsos mestres e seus ensinamentos, conforme conferimos em 2 Timóteo 3:6. Como resultado, elas estavariam promovendo controvérsias na igreja.
Creio que o mesmo princípio se aplique perfeitamente a 1 Coríntios 14:34-35:
“As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja.”
Se, de fato, fosse vetada a participação feminina nos cultos, não faria qualquer sentido Paulo recomendar nesta mesma epístola que as mulheres, ao profetizarem, o fizessem com a cabeça coberta (1 Co.11:4-5). Nesta passagem, fica claro que tanto homens quanto mulheres tinham o direito a falar. A menos que alguém profetizasse usando linguagem de sinais…rs
O que Paulo busca salvagardar neste texto em particular é a honra dos maridos, que, de acordo com a etiqueta vigente naquela sociedade, seria questionada caso a mulher manifestasse publicamente suas questões. Porém, o texto deixa claro que elas tinham o direito de questionar, em vez de engolir a seco qualquer coisa que lhes fosse dita. Isso por si só já representava um grande avanço para as mulheres. Porém, suas questões deveriam ser expostas no ambiente doméstico, a fim de poupar seu marido do vexame público. Portanto, tratava-se, sobretudo, de um problema cultural.
Estou ciente de que meus argumentos não calarão a voz dos que se contrapõem a eles. Espero que, ao menos, levem-nos a refletir. Muitos dos que defendem que a mulher jamais deve ser alçada a uma posição de liderança eclesiástica, também defendem a escravidão como algo justo e um direito dado por Deus. É tarefa sobremodo difícil argumentar com os tais. E o que mais me incomoda é saber que muitos jovens pregadores tendem a comprar pacotes teológicos fechados, sem darem-se o trabalho de examinar item por item. Se Calvino falou, está dito. Não há o que discordar. Se Lutero falou, assunto fechado. Todos estes grandes homens (a quem admiro de verdade) foram filhos do seu próprio tempo, e suas exegeses estavam cativas dos paradigmas culturais e sociais de então. Mesmo atribuindo-lhes honra, ousemos discordar de qualquer coisa que não coadune com o espírito do Evangelho.
Bem, conhecendo o Deus da Bíblia, que tem como costume usar os fracos para confundir os fortes, os loucos para confundir os sábios, não é de se duvidar que Ele seja capaz de levantar mulheres para fazer o que muitos homens se negam a fazer.
Lembrei de Raquel, pastora das ovelhas de seu pai, a quem outros pastores esperavam para que juntos pudessem remover a pedra que estava sobre a boca do poço, impossibilitando que o rebanho saciasse sua sede (Gn.29:1-10). O mais importante não é o gênero de quem conduz as ovelhas e sim a que fonte elas têm sido conduzidas.

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