Pernas abertas, calcinha
aparecendo, blusa levantada. Se fossem modelos adultas, estaríamos discutindo
aqui no blog, mais uma vez, a objetificação do corpo mulheres. Mas são crianças
e as fotos, do ensaio “Sombra e água fresca”, publicado pela revista Vogue Kids
em setembro, praticamente falam por si.
“Muitas vezes quando pensamos em
pedofilia imaginamos um tio pervertido ou em um cara se escondendo atrás de um
computador, ou de algo escondido, secreto. Mas a gente não fala de uma cultura
de pedofilia, que está exposta diariamente, onde a imagem das crianças é
explorada de uma forma sexualizada. A Vogue trouxe um ensaio na sua edição kids
com meninas extremamente jovens em poses sensuais. Alguns podem dizer que é
exagero. Que é pelo em ovo. Eu digo que enquanto a gente continuar a tratar
nossas crianças dessa maneira, pedofilia não será um problema individual de um
‘tarado’ hipotético, e sim um problema coletivo, de uma sociedade que
comercializa sem pudor o corpo de nossas meninas e meninos”, afirmou a
roteirista Renata Corrêa, uma das primeiras a criticar publicamente a revista.
A arquiteta Tuca Petlik conta que
ficou chocada quando viu a matéria. Foi ela quem tirou as fotos acima –
editadas para preservar a identidade das meninas. “Como ninguém que trabalhou
na matéria questionou? Produtor, maquiador, fotógrafo, diagramador, revisor,
diretor de arte, editor de texto, direção… Ninguém se ligou que estava um pouco
demais? Que dureza ver que ainda temos um caminho tão longo para percorrer em
busca de uma sociedade que valorize a infância, que proteja nossas crianças,
que não veja a mulher e seu corpo como mercadoria, que amplie os ‘modelos de
beleza’. etc… É triste”. Tuca é mãe de Maya, de dois anos. “Como mulher, como
mãe, como mãe de uma menina, eu sinto revolta”.
Yolanda Domínguez, artista
plástica espanhola que já realizou performances no Brasil questionando a
indústria da moda, afirma que “é alarmante a sexualização prematura a que as
meninas são submetidas por meio de bonecas (Brads, Barbies…), desenhos animados
e agora, a moda. Essas imagens possuem uma clara conotação sexual: meninas com
pernas abertas, deitadas, levantando a camiseta ou trazendo um peixe para a
boca. As meninas aprenderão que atitude se espera delas”. Yolanda, que é
editora do site Strike the Pose, avalia que a Vogue cometeu um erro enorme e
defende que a revista “deveria pedir desculpas imediatamente”.
Jornalista e analista de moda,
Vivi Whiteman lembra que “a moda tem como regra trabalhar com meninas muito
novas, que começam com seus 13 anos. Não sei quantos anos têm as moças das fotos,
mas tenho certeza de que foram autorizadas pelos pais”. Para Vivi, a moda não é exatamente o mais ético dos mundos
e não tem pudores com nenhum tipo de sensualidade. “Ao longo dos anos temos
grandes obras que abordam o tema da sexualidade infantil, de Freud a Nabokov. A
questão é que num ensaio de moda feito para vender produtos e comportamento não
há espaço para teoria, nem para discussão, nem para aprofundar nada. Não é
questão de demonizar a revista, mas de fato é o caso de ampliar o debate sobre essa
questão. Não é moralismo, mas a constatação de que essas imagens geram certas
reações, elas não são neutras nem existem num universo ideal. Os pais precisam
se colocar e parar de fingir que esse tema não existe. A revista é só mais um
exemplo de um comportamento que está na mídia e também na educação”.
O blog apurou que algumas pessoas
já fizeram denúncias ao Ministério Público e que instituições de defesa da
criança e do adolescente preparam-se para uma ação coletiva. Mas segundo a
Ferraz Assessoria de Imprensa, que cuida da conta da revista, até o momento não
há nada a declarar porque “não chegou nenhuma notificação. Tudo o que existe
são burburinhos na internet”.
Fonte: Maíra Kubík Mano
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