Parece-me que muitos (a maioria?) dos crentes
teologicamente conservadores da Bíblia (incluindo eu) não pensam muito sobre a
batalha espiritual. Talvez seja porque há alguns cristãos malucos que parecem falar
apenas sobre a batalha espiritual, da maneira como alguns jovens calvinistas
malucos apenas falam sobre predestinação e eleição. Ou, talvez seja porque tudo
isso soe um pouco fantasmagórico ou assustador. Ou, talvez, não falemos muito
sobre isso porque estamos infectados com o ceticismo do pensamento modernista e
“científico”, levando-nos a desprezar “todo esse negócio de batalha
espiritual”? Eu não sei. Mas eu estou pensando que, se não temos categorias
para a batalha espiritual, então provavelmente estamos perdendo a batalha em
alguma área de nossa vida cristã.
Mas, qual leitor do Novo Testamento pode duvidar da
realidade de nossa luta no mundo espiritual? Apenas um exemplo clássico:
Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes
ficar firmes contra as ciladas do diabo; porque a nossa luta não é contra o
sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os
dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas
regiões celestes. (Ef 6:11-12)
Nossos inimigos nesta guerra
Nós temos três inimigos nesta guerra: o mundo, a carne e
o diabo. Ou, porque estou me sentindo estranhamente poético: Dos meus inimigos
há três — Satanás, o mundo, e eu. Estes inimigos eram e são mortais para nós:
Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e
pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o
príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da
desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações
da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por
natureza, filhos da ira, como também os demais. (Ef 2:1-3)
Estes três inimigos têm uma particular relação um com
outro em sua guerra contra nós. O Diabo, a antiga serpente, é “o príncipe deste
mundo” (João 12:31; 14:30, 16:11). Como tal, ele governa o sistema do mundo, em
um esforço para esconder a verdade sobre Deus:
Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no
Maligno. (1 Jo 5:19).
Nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos
incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de
Cristo, o qual é a imagem de Deus. (2 Coríntios. 4:4)
O mundo, sob o domínio do maligno, é um sistema de
pensamentos, valores, ideias e ações que expressam uma verdadeira hostilidade e
rejeição para com Deus e o seu povo. O mundo é irreconciliável com Deus — tanto
que a abraçar os caminhos do mundo é unir-se ao mundo em inimizade contra Deus.
Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se
alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no mundo,
a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não
procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem como a sua
concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente.
(1 Jo 2:15-17)
Assim, Satanás tem distorcido e sabotado o mundo que Deus
fez, inventando um sistema que permanece irremediavelmente hostil para com o
Criador. De que maneira o mundo se une para atacar o cristão? Bem, o mundo
ataca seduzindo a carne do cristão, os desejos pecaminosos e pensamentos que
permanecem no cristão. Deixe-me usar quatro comentários bíblicos sobre a Lei
como uma ilustração:
Assim, também nós, quando éramos menores, estávamos
servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo […] Outrora, porém, não conhecendo
a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são; mas agora que conheceis
a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando, outra vez,
aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, quereis ainda
escravizar-vos? (Gl 4:3, 8-9)
No contexto, surpreendentemente, as referências de Paulo
para “os princípios básicos do mundo” incluem a própria lei de Deus, que era o
nosso professor, supervisionando-nos até a vinda de Cristo (3:23-25). O
apóstolo considera a regra da lei de tocar, provar, e celebrar como parte dos
princípios básicos do mundo:
Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia
e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do
mundo e não segundo Cristo […] Se morrestes com Cristo para os rudimentos do
mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças (Col.
2:8, 20)
Satanás governa o mundo para atacar o cristão através de
sua carne de muitas maneiras. Pela graça de Deus nós não somos ignorantes dos
dispositivos do inimigo. Vou citar três. Primeiro, ele usa o mundo para
conspirar com a nossa carne, cegando o cristão com um ascetismo religioso
ineficaz:
Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por
que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: não manuseies
isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e
doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais
coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de
falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a
sensualidade. (Colossenses 2:20-23)
Segundo, Satanás usa o mundo para fortalecer nossa carne
a fim de negligenciarmos o viver no/pelo Espírito de Deus:
Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava
enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de
carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na
carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não
andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito. Porque os que se inclinam para
a carne cogitam das coisas da carne; mas os que se inclinam para o Espírito,
das coisas do Espírito. Porque o pendor da carne dá para a morte, mas o do
Espírito, para a vida e paz. Por isso, o pendor da carne é inimizade contra
Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar. Portanto, os
que estão na carne não podem agradar a Deus. (Rm 8:3-8)
Terceiro, Satanás usa o mundo para nos cegar para o fato
de que a nossa natureza pecaminosa é a raiz do nosso pecado e tentação:
Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus;
porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao
contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e
seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o
pecado, uma vez consumado, gera a morte. (Tiago 1:13-15)
Como reagir a tudo isso?
Três coisas:
Primeiro, uma vez que nossos próprios desejos e
pensamentos são o campo de batalha desta guerra, devemos mortificar a nossa
carne.
Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se
constrangidos a viver segundo a carne. Porque, se viverdes segundo a carne,
caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do
corpo, certamente, vivereis. Pois todos os que são guiados pelo Espírito de
Deus são filhos de Deus. (Rm 8:12-14)
A carne morta não pode ser uma carne tentadora.
Em segundo lugar, uma vez que o mundo conspira com a nossa
carne contra Deus, devemos cultivar um ódio santo contra o sistema do mundo.
E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos
pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa,
agradável e perfeita vontade de Deus.
(Rm 12:2)
Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se
alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; (1 João 2:15).
Terceiro, mortificando constantemente a carne e renovando
nossa mente e afeições para com Deus, devemos tomar nossa posição contra o diabo:
Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do
seu poder. Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes
contra as ciladas do diabo […] Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para
que possais resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer
inabaláveis. Estai, pois, firmes… (Ef 6:10-11, 13-14)
Claro, tudo isso só é possível se Cristo Jesus, o Filho
de Deus for a nossa Vitória e nossa esperança for naquele que esmagou a cabeça
da serpente (Gn 3:15), que trouxe o julgamento contra o mundo e derrotou o seu
príncipe ( João 12:31), e pelo Seu Espírito que crucifica nossa carne (Rm 8:13;
2 Pedro 1:4).
A estratégia básica para a nossa guerra: Mortificar a
carne. Odiar o sistema do mundo. Resistir o diabo.
Luta feliz porque nós todos em Cristo vencemos o mundo
pela fé no Filho de Deus (1 João 5:1-5).
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