quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O Bom Samaritano



O ensino da tolerância  (Lucas 10.25-37 )

Prólogo
Os textos bíblicos mais conhecidos são também os menos compreendidos. Justamente porque são lidos tão frequentemente em nossos púlpitos que acabam por cauterizar (“blindar”) nossas mentes e corações e  tornamos imunes à sua mensagem.

Introdução
(1Co 2.16). refere-se à “mente de Cristo”  Porque, quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo. 

Mas o que é a “mente de Cristo”?
O texto que acabamos de ler nos dá uma boa ideia de como a “mente de Cristo” funciona: combinando com o lógicos (coerente) e os analógicos(Investigação da causa das semelhanças).




Vejamos: diante da pergunta astuta, feita por um “intérprete da Lei” (“com o intuito de pôr Jesus à prova”, v. 25),
Jesus responde, com igual astucia , devolvendo ao interprete da lei a pergunta:
 “Que está escrito na Lei?
Como interpretas?” (v. 26).
Jesus, aqui,  apela para a lógica e a objetividade da Lei, conhecida pelo interprete da Lei, uma vez que este era  especialista em sua interpretação.

À pergunta objetiva de Jesus, o intérprete respondeu  citando uma conhecida síntese legal que os advogados de então carregavam, literalmente, na manga (era costume trazerem atadas à manga das vestes, tiras com resumo de leis, para consultas rápidas): “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (v.27).

À resposta foi objetiva do intérprete, segue-se a conclusão lógica de Jesus: “Respondeste corretamente; faze isto e viverás.” (v. 28).

Como sabemos, o que o intérprete buscava era um pretexto para “incriminar” Jesus.

Por isso insiste, deixando a lógica de lado (a gente sempre deixa a lógica de lado quando isso nos favorece ou interessa): “Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo?” (v. 29).

É aqui que entra em ação o lado “analógico” da mente de Cristo”:  “Jesus prosseguiu, dizendo:

Certo homem descia de Jerusalém para Jericó...” (vv. 30ss).
Se a argumentação objetiva não surte efeito, então, tentemos a subjetiva!

Jesus recorre à parábola, à força da imagem e ao poder da imaginação.

Sua narrativa descreve uma cena com inúmeras contradições lógicas.

Observemos mais atentamente alguns desses contrastes: 
Primeiro: sabe-se que Jerusalém fica a cerca de 740m (de altitude) acima do nível do mar, enquanto Jericó, a 400m (de baixitude) abaixo do nível do mar na região do mar morto.

Por essa razão, numa pequena distância de menos de 30km há um desnível de mais de 1.100m.
É um caminho íngreme, cheio de desfiladeiros, ideal para as emboscadas e a ação de salteadores (funcionava assim como uma espécie de  “Linha Vermelha”.


Ninguém, em sã consciência, se aventuraria a passar por ali a não ser que estivesse bem guardado.
 Por essa razão, as pessoas que tinham que fazer esse trajeto, geralmente, viajavam em caravanas.
Ao que tudo indica, portanto, a vítima da parábola não era exatamente alguém a quem se poderia chamar de “prudente”. Hoje, se diria que ele “deu sopa pro azar”.

Uma segunda questão:
 geralmente pensamos que o sacerdote e o levita, que passaram “de largo”, faltaram com suas obrigações, mas isso não é bem verdade.
Pois havia leis muito claras e rígidas que diziam que os que exerciam funções religiosas ficariam impedidos de realizá-las caso tocassem em um cadáver, ou em um estrangeiro, pois estariam ritualmente impuros.
Ora, o profeta e o levita fizeram o que parecia certo, o que era mais lógico.

Devem ter pensado: “Esse que está aí no chão pode ser um estrangeiro e pode me contaminar e impedir-me de realizar minhas funções.
Ou pior, pode estar morto e, neste caso, nada poderei fazer mesmo para ajudá-lo.
Além do que, se esse sujeito se aventurou a viajar por este lugar desacompanhado, é porque era mesmo um irresponsável e imprudente — teve, portanto, o que merecia.

Pensando bem, isso aqui bem pode ser uma emboscada. Ele pode estar fingindo para me atrair e, assim que eu chegar perto, Salteadores cairão sobre mim, tornando-me a verdadeira vítima desta história suspeita.”
Portanto, a lógica e o bom senso sugeriam a esses senhores que não haveria nada mais inteligente a fazer, a não ser dar o fora dali o mais rápido possível.

Não devemos recriminá-los por isso, pois não fazemos nós exatamente a mesma coisa quase todos os dias, quando passamos por pessoas em situações semelhantes nas estradas, nos semáforos, nas calçadas...?


Finalmente, entra em cena o “samaritano” (que em nenhum lugar no texto é chamado de “bom”, a não ser no título que lhe emprestou a tradição e o tradutor, João Ferreira de Almeida).

Esse samaritano, sim, quebra todas as regras do bom senso.
Aproxima-se do perigo.
Quando está bem perto, não pode deixar de notar que a vítima era um desses judeus arrogantes por quem os samaritanos nutriam um desprezo sistemático, mas isso não o impede de aproximar-se ainda mais.
Importa-se com um semi-morto. Correndo o risco de ser ele também tomado de assalto e terminar do mesmo jeito que aquele que está diante dele, detém se a cuidar dos seus ferimentos: “E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho” (v. 34).

E mais, servindo-se do seu próprio meio de transporte, levou-o até uma hospedaria onde a vítima pudesse ser tratada e recuperar-se dos seus ferimentos (em gr. traumata). E ainda, mais, gastou parte do seu dinheiro com tudo isso.

A lição do certo
Como se pode ver, nessa história, não há dúvida alguma a respeito de quem teria feito o certo.
Quem fez o certo foram o sacerdote e o levita.
Eles cumpriram os preceitos religiosos; eles usaram de bom senso, evitando o perigo; eles usaram a lógica e a inteligência para salvar a pele.
Sim, quem fez tudo errado foi o samaritano: arriscou-se, quebrou preceitos, rompeu com o bom senso, desperdiçou suas reservas de medicamentos e ataduras, perdeu tempo e dinheiro — além de tudo, o homem tomou prejuízo!? (acho que isso foi o que mais impressionou os mestres da lei , pois sabemos de sua fama era  de avarentos).

Se o sacerdote e o levita fizeram o que era certo, e quem procedeu errado foi o Samaritano.
Então porque Jesus considera este último o herói da história? Esta é realmente uma  questão intrigante.
 Parece que a chave para entendermos tudo está dada no versículo 33:
“Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se
dele” (não se trata, portanto, de um “bom samaritano” —como se fosse um bom carioca, ou
um bom paulista, etc.— mas de um samaritano bom —como seria um carioca bom, ou um
paulista bom, etc..).

O verbo “compadecer-se” (em gr. splagchnizomai) deriva de splagchnon, que significa “vísceras”, “intestinos”, “entranhas”.
Trata-se daquele sentimento que faz com que o estômago fique embrulhado, revirado, diante do sofrimento humano; tal compaixão é aquela que faz a gente ficar enojado, que solta os intestinos, que dá ânsias de vômito...
Mas esta é a chave para entendermos a “mente de Cristo” e a sua proposta de ensinamento:
É que quando a gente está na escola, faculdade, e nopreocupamos  com a educação formal, tendemos a nos concentrar naquilo que é certo (a verdade/razão), e naquilo que é inteligente (lógica!).

Assim, parece natural que, quanto mais seguros estivermos de estarmos certos, e de estarmos do lado da verdade, mais justificativa encontramos para nossos atos de indiferença
e, pior, de intolerância.

Nesse sentido, fazer o que é certo, é o primeiro passo para a intolerância, porque, surpreendente, saber a verdade pode funcionar como antídoto para a compaixão.

A lição  do bem?
Qual é, então, a  proposta de ensinamento feito por Jesus, aqui  é?
O problema não é ter que escolher entre fazer o certo ou o errado.
A questão está entre fazer o certo ou fazer o bem!
Em outras palavras, com esta parábola, Jesus estava propondo que quando tivermos que optar entre fazer o certo ou fazer o bem, devemos sempre escolher fazer o bem!
Nunca devemos perder a noção de que o certo não é mais importante do que a Vida:
“O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mt 2.27).
Se a nossa pedagogia do certo nos impede de sermos melhores e mais humanos, se nos incapacita para sentirmos indignação e nojo pela miséria e pela degradação universal, e se nos tornamos  intolerantes ou indiferentes ao sofrimento do nosso vizinho, a ponto de guardarmos  cada vez mais distância dele, algo vai muito mal conosco e com a nossa ensinamento.
Entretanto, como desenvolver nas nossas escolas uma pedagogia que vá além do certo?

Como ensinar os “entranhados afetos de misericórdia” (Fp 2.1
Se por estarmos em Cristo, nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão,
completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude.Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos.
Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros.Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se;mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens.E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz! 
Filipenses 2:1-8)
aos quais o Novo
Testamento se refere de modo tão enfático?
Mas tudo o que essas estatísticas, de fato, confirmam, é que não basta ensinar o certo para que as pessoas sejam melhores. Ora, não adianta ensinar o certo se não somos capazes de aprender o que é realmente bom para todos nós.

Conclusão
Desenvolver, ao lado da ensino certo, uma ensino do bem, talvez seja o caminho da educação para a tolerância e a espiritualidade
Porque só é intolerante quem tem certeza de que está fazendo o que é certo, mas nunca é intolerante o que está certo de estar fazendo o bem.
A análise da “mente de Cristo” nos ajuda a entender como os aspectos lógicos e os
analógicos podem comprovar para o triunfo do espírito da vida sobre a lei da intolerância e
da morte.
Ao final da parábola (analogia), Jesus, apela novamente para a lógica (irredutível e inescapável) que oferece a conclusão do seu arrazoado: “Qual destes três te parece ter sido o
próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?
 Respondeu-lhe o intérprete da Lei [e notem que, logicamente falando, a resposta não poderia ser outra]: O que usou de misericórdia para com ele.” (v. 37). Tal era o ensino de Jesus: uma proposta de diálogo entre a razão e o coração.
Contudo, Jesus propõe o primazia da vida sobre quando tivermos que optar entre fazer o certo ou fazer o bem, devemos escolher sempre fazer o bem!
Quanto ao ensino do certo: pratiquemos, e aprenderemos muitas coisas.
E quanto ao ensino do bem, é Jesus quem diz: “faze isto e viverás” (v. 28)!

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